terça-feira, 18 de novembro de 2008

(30/ 10) A teoria na prática/ Encontro XXV

Depois de duas semanas voltadas para o estudo e a discussão do assunto “Norma padrão e variedades lingüísticas”, propus à turma uma atividade avaliativa, chamada “Construção em Parceria”, que deveria ser realizada em dupla. Assim, cada grupo recebeu dois textos (na verdade, dois bilhetes redigidos por mim), que apresentavam o mesmo conteúdo: o remetente (Edson), por ocasião do aniversário da sua namorada, solicitava ao destinatário um empréstimo para poder presenteá-la com um CD. Todavia, a diferença fundamental entre os dois textos estava na linguagem empregada. No primeiro caso, o destinatário era Daniel, o melhor amigo do Edson, que nessa situação comunicativa, optou pela linguagem coloquial. Já no segundo caso, o pai da namorada do Edson era o seu interlocutor, circunstância que determinou o uso da norma padrão.
Após a leitura desse material, solicitei à turma que identificasse essa diferença, ao que a maioria correspondeu positivamente. Em seguida, reforcei os conceitos de norma padrão e de variedades lingüísticas e redigi no quadro as seguintes questões, que deveriam ser discutidas e respondidas por escrito pelas duplas:
1.Ambos os textos apresentam o mesmo conteúdo. Identifiquem-no e registrem a sua resposta abaixo.;
2.Considerando que o destinatário de cada um dos bilhetes é diferente, expliquem por que o Edson optou por uma linguagem também diferente em cada um deles.;
3.Confrontando os dois textos e baseando-se na resposta à questão anterior, é correto dizer que só usa a linguagem coloquial quem não domina a norma padrão? Por quê?;
4.Diante das situações apresentadas pelos textos, escrevam um breve comentário sobre a importância do ensino da norma padrão da língua portuguesa.;
5.Agora, coloquem-se no lugar do Daniel e escrevam um bilhete ao Edson respondendo ao seu pedido.
Além de avaliar o conhecimento dos alunos sobre o assunto em pauta, essa atividade pretendia verificar o resultado das discussões, audições e leituras que desenvolvemos nas aulas acerca do preconceito lingüístico, das relações de poder e da exclusão social determinadas pelo uso da língua, da importância do saber adequar a linguagem a cada situação comunicativa e do porquê estudar a língua portuguesa na escola. A opção por esse instrumento avaliativo visava, também, diagnosticar como os alunos lidariam com a divisão de tarefas, o saber ouvir e falar, a argumentação e a expressão escrita. Com esse intuito, procurei acompanhar todas as duplas durante a atividade com intervenções e provocações.
Apesar de bastante heterogêneos, foram três os resultados mais marcantes dessa avaliação. Em primeiro lugar, a maioria da turma, embora tenha correspondido de forma satisfatória às questões 1, 2 e 3, apresentou comentários pouco ou nada consistentes sobre a questão 4: de acordo com quase todas as duplas, conhecer a norma padrão significava apenas comunicar-se melhor, o que desmerecia, portanto, a eficiência comunicativa do bilhete direcionado ao melhor amigo do Edson. Em segundo lugar, ao redigirem o texto, conforme a solicitação da questão 5, cerca de 50% das equipes empregaram a norma padrão e tentaram compor, surpreendentemente, um discurso formal, totalmente inadequado para a situação proposta. Por último, do universo de 22 duplas, 17 demonstraram dificuldades com a expressão escrita. As construções precárias, a falta de seqüência lógica do raciocínio e as falhas na coesão foram os problemas mais freqüentes na redação das respostas.
Com base nessas e outras informações, percebi que a atividade foi produtiva para os alunos, uma vez que, partindo de uma situação muito próxima da sua realidade, consegui quebrar “o gelo”, sensação desfavorável a um momento de avaliação. Além disso, o trabalho em parceria propiciou o diálogo, a divisão de tarefas e a construção de conhecimento, habilidades e competências desprestigiadas pela “prova”. Para o professor, foi uma excelente oportunidade para conhecer a realidade que permeia o dia-a-dia em sala de aula: os erros e os acertos de certas ações pedagógicas, as reais necessidades e os interesses dos alunos e a importância da relação dialógica entre os sujeitos da aprendizagem em busca da construção de conhecimentos significativos. Entretanto, esse instrumento, de certo modo, impediu uma identificação mais precisa da aprendizagem individual do aluno: as dificuldades, as dúvidas, as opiniões e as descobertas de cada um deles em particular foram, em parte, “camufladas” pelo trabalho em dupla, como pude constatar com falas do tipo: “Se eu tivesse escrito ou fizesse sozinho, não haveria esse problema.”.
Diante dessas constatações, ao analisar cada atividade, resolvi fazer apenas comentários sobre as respostas (apontando os problemas e reconhecendo os avanços) sem atribuir nota a elas. Ao conhecerem o seu desempenho, as duplas reagiram de uma forma interessante: ao mesmo tempo em que estranharam a falta de uma nota, sugeriram uma tranqüilidade não muito comum em dia de entrega de “prova”. Com as atividades em mãos, solicitei que cada dupla lesse atentamente os meus comentários para que, juntos, identificássemos as razões para o resultado do trabalho. Depois dessa discussão, propus à turma, na aula seguinte, que me sugerisse outras possibilidades de abordagem desse conteúdo e outros mecanismos de avaliação da aprendizagem. Também definimos que, em outro momento, retomaríamos essa atividade para desenvolvermos um estudo sobre coesão e coerência.

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